#32 -a ficção como ausência, a não ficção como performance
A romantização da literatura, ficção X não ficção e a lista de livros mais vendidos de abril
Não é difícil encontrar vídeos nas redes sociais dos livros mais famosos ou hypados, desafios e metas de leitura cada vez mais absurdas; competições acerca da quantidade de leituras por mês/ano, e o aumento da romantização e elitização da literatura em quaisquer âmbitos; uma cobrança excessiva pela “estética ideal”; o story perfeito, o livro que você não pode deixar de ler; a rotina perfeita do influencer que lê 30 livros por mês numa boa.
Mas, eu te pergunto: o quanto disso é, de fato, real? Você realmente quer ler aquele livro ou é só porque tá todo mundo falando? Essa foto bonitinha com o livro de colorir ou o devocional ou o livro hypado é só gosto pessoal, ou uma performance?
Talvez você me diga que não; que realmente se interessa por cada uma dessas tendências e que nâo vê problema nesses conteúdos que, muitas vezes, mais atrapalham do que ajudam. Tudo bem, cada um com sua opinião; fique à vontade pra encerrar a leitura por aqui.
Mas, se você tá interessado…
Dos 10 livros mais vendidos de abril, apenas 1 é de ficção.
Boa parte das informações que vou compartilhar sobre essa lista foram tiradas desse vídeo do Livraria em Casa e da lista do Publish News .
O fato é: dos 10 livros mais vendidos de abril, apenas 1 é de ficção. E, dos 20 livros mais vendidos, 8 são livros de colorir.
No começo da lista, já dá pra observar algumas coisas: os três primeiros livros são de colorir; os tão famosos Bobbie Goods . Depois, Café com Deus Pai e, no 5º lugar, outro livro de não-ficção. Podemos notar a presença desses livros tão hypados ultimamente - quantas vezes você já viu alguém fazendo o devocional ou pintando os livros pra aliviar a ansiedade e sair das telas? Pois é.
Na segunda parte da lista; o 6º lugar é preenchido por mais um livro de não ficção. E, em seguida, outro livro de colorir kkkk, e depois outro de não-ficção. Então, no 9º lugar, o primeiro livro de ficção da lista: Amanhecer na Colheita, da Suzanne Collins.
Dá pra notar uma coisa bem interessante: Enquanto Amanhecer na Colheita teve menos de 5 mil cópias vendidas; o que é pouco quando pensamos em uma autora e uma saga de peso como Jogos Vorazes, os Bobbie Goods tiveram mais de 50 mil cópias vendidas. E, lembrando: livros de colorir.
O que isso diz sobre a leitura de ficção no nosso país? Tá todo mundo parando de ler ficção? Aliás, os livros de colorir são, realmente, livros?
O restante da lista (10º e 11º lugar) é preenchido por mais dois livros de não-ficção e depois, outro livro de colorir. Então, temos mais uma ficção: Verity , da Colleen Hoover; e depois…livro de colorir, não-ficção, ficção, mais 3 livros de colorir, e por último uma ficção.
A partir daqui, podemos analisar duas situações: os livros de não-ficção e os de ficção.
A elitização da literatura e a não-ficção como performance
Como disse antes, quantas vezes você já viu aqueles vídeos das pessoas pintando os Bobbie Goods ou lendo o Café com Deus Pai logo de manhã? Provavelmente, muitas. Incontáveis vezes.
E mais uma vez, a gente pode pensar no quanto disso tudo realmente é genuíno, ou se a maior parte das pessoas comprou os produtos e tá produzindo esse tipo de conteúdo só porque tá todo mundo fazendo. Entendo as diversas questões religiosas ou emocionais que envolvem essa procura por livros de autoajuda; isso nem é ruim, afinal.
As pessoas, em grande parte das vezes, procuram essas obras para um aprendizado, um ensinamento maior, um utilitarismo. Ou, como o Paulo disse, para atingir uma fuga da realidade de forma diferente da ficção.
Sobre os livros de colorir; sim, é um hobby como qualquer outro. Mas às vezes eu me questiono o quanto disso é só uma performance nas mídias; um certo status. Quer dizer, pintar os desenhos se torna uma cobrança excessiva para ser bom naquilo; pra deixar bonito. Colorir com a cor certa, na ordem certa, e depois publicar uma foto bonita.
Tem até curso pra pintar Bobbie Goods cara!!!!!! A que ponto chegamos? Quando uma atividade pensada pra relaxar se tornou esse mar de pressão estética e cobrança pra fazer perfeito?
Não dá pra negar que, quando falamos de literatura; tem muita coisa relacionada à busca por status e elitização. Afinal, nem todo mundo tem acesso a livros (principalmente no Brasil) e será mesmo que todo mundo tá lendo porque quer, ou só pra mostrar alguma coisa? E isso pra qualquer livro, tanto os de ficção como os de não-ficção.
Sempre tem aquele papo de “FICÇÃO X NÃO FICÇÃO”, onde, na grande maioria das vezes, os livros de ficção são vistos como inúteis, desimportantes e uma “perda de tempo” se comparados à outra categoria.
Isso mostra uma distorção por parte das pessoas sobre a importância da ficção em diversos sentidos da nossa vida e uma desvalorização daquelas obras mais leves - como romances, comédias, dramas…gêneros majoritariamente lidos e escritos pelo público feminino - outro recorte que rende um debate bem interessante, mas não vou me estender muito agora - em relação à uma visão dos livros de autoajuda e não-ficção como a única forma de se aprender algo, como a “leitura de verdade”.
A ausência da ficção
Como observado anteriormente; de 20 livros mais vendidos, apenas 4 são de ficção. São eles: Amanhecer na Colheita (Suzanne Collins), Verity (Colleen Hoover) , A empregada (Freida McFadden) e Melhor do que nos filmes (Lynn Painter).
Todas essas autoras são cis, brancas e norte-americanas. Isso pode parecer apenas um detalhe que não deveria ser levado em conta, mas fica nítido quem são as pessoas de fato valorizadas no mercado literário. E não, não tô dizendo que esses livros são ruins e que não mereciam estar nessa lista, mas é fato que; mesmo com dificuldades, esse processo é muito mais fácil para essas autoras.
Se compararmos as vendas de qualquer autor da lista à livros nacionais, a diferença é incontável. Sendo que, muitas vezes, os livros com mais exemplares e mais reconhecimento são só mais do mesmo; alguma história qualquer com persnagens genéricos que acaba sendo mais valorizada a partir de outros fatores. Sempre bom lembrar que, no final das contas, esses rankings e selos de mais vendidos não definem se o livro é bom ou não - aliás, tem uns casos de editoras que aumentam as vendas dos livros artificialmente pra subir a posição dele no ranking.
Mas aí, onde ficam os outros autores? Onde ficam os outros pontos de vista, outras culturas, outras origens? Porque a gente sabe que a maior parte desses autores mais vendidos são norte americanos ou europeus.
Os números, as posições no ranking, o quanto o livro é falado nas redes sociais…tudo isso depende de uma série de oportunidades e privilégios. Nem todo livro bom é devidamente valorizado e nem todo o livro valorizado é bom. O problema é que muita gente acaba lendo só mais do mesmo e, no final das contas, muitas histórias boas são deixadas de lado.
Essa ausência da ficção entre os brasileiros; como revela a lista de livros mais vendidos, mostra que não há a devida valorização dessas obras; mesmo com suas contribuições em tantos sentidos.
Como mencionei antes, ainda existe esse embate entre a ficção e a não-ficção, como se elas fossem polos completamente opostos incapazes de dialogar em algum nível. A ficção sempre é colocada como “perda de tempo”, um entretenimento, algo pra ler sem pensar - o que, sinceramente, dificulta muito o nosso trabalho como escritores - , mas, ao contrário do que a maior parte das pessoas pensam, esses livros também ensinam e trazem reflexões tão importantes, senão mais, que aquelas das obras de não-ficção.
Os livros de ficção nos fazem descobrir e aprender sobre outras culturas; outros pontos de vista. A gente se reconhece ali; o que é muito bom na construção da nossa identidade e dos nossos valores, e a ficção também melhora a nossa criatividade.
Por meio de outras histórias e experiências, nós aprendemos a refletir sobre a nossa própria vivência e desenvolver boas ideias para várias áreas; a escrita sendo apenas uma delas.
Então, leiam ficção. Aprendam com esses livros, porque eles trazem um impacto que muitas vezes a gente nem percebe. Não que você não possa continuar pintando seu livro de colorir ou lendo uma autoajuda, mas ao menos se pergunte se você tá curtindo o processo de verdade.
E isso vale pra qualquer tipo de livro ou tendência que você queira adotar. A ideia da leitura; desde o início, é que seja uma atividade prazerosa e sem tanta pressão, sem essa performance absurda diante das redes.
Ás vezes acabo me comparando também; não dá pra fugir dessa parte da internet em todos os momentos, mas o importante é não deixar que isso continue. É se conhecer e refletir se aquele livro, aquele conteúdo, aquela têndencia é realmente gosto pessoal ou só uma busca por validação nas redes. É estar disposto a ler tal livro não porque todo mundo tá lendo, mas porque você quis ler.
E, aos poucos, vamos encontrando um equilíbrio.
CONSIDERAÇÕES
Esse texto foi um pouco trabalhoso, mas foi bem interessante de escrever :) Acho que é legal falar sobre esses temas relacionados com essa coisa das redes sociais; bookredes, etc; algo que tá muito presente na nossa bolha hoje.
Fiquem à vontade para corrigir qualquer informação que possa estar errada e expor sua opinião sobre o texto acima (com respeito), vou ficar feliz em ler!!
Seguem os links usados nessa edição:
Fontes de pesquisa:
Lista de livros mais vendidos Geral abril 2025
Vídeo do Livraria em Casa sobre os livros mais vendidos
Os benefícios cognitivos de ler ficção
Vídeo da Kabook TV sobre tendências literárias
Livros/mídias mencionados:
FICÇÃO:
A empregada (A empregada – Livro 1): Bem-vinda à família
NÃO-FICÇÃO:
Livros de colorir Bobbie Goods
Obrigado por ler até aqui, isso é muito importante! Espero que tenha curtido essa edição :)